quinta-feira, julho 20, 2006

Que geração somos nós?!

Nunca concordei que existisse uma geração rasca, acho até que a expressão não tem qualquer sentido. Convém lembrar, por curiosidade, que esses mesmos jovens “rasca” foram criados pelas pessoas que inventaram tal expressão, surgindo daí alguma incoerência.
Porém, se viesse alguém dizer que a geração actual é a do isolamento, então teria de concordar, afinal, vivemos longos anos ao lado de um vizinho ao qual jamais dissemos mais do que um bom dia. O hábito de bater à porta do lado a pedir açúcar e uns quantos dedos de conversa terminou.
Na rua não sorrimos a desconhecidos, até porque se o fizéssemos, estes poderiam considerar-nos doidos ou, então, que nos estávamos a atirar descaradamente a eles.
No trabalho evitamos grandes confianças, falamos com que temos de falar e está o assunto terminado. Não precisamos de conhecer os nossos colegas, até porque no fundo estamos todos a competir uns com os outros.
Fechamo-nos em casa, nós e a televisão. É assim que conhecemos o mundo lá fora, o mesmo de onde viemos a fugir para que não nos apanhasse.
Quando um carro estrangeiro começa a abrandar junto a nós, começamos a acelerar o passo, afinal, há que evitar conversas com desconhecidos, mesmo que seja apenas para lhes dar indicações de caminhos.
Pensamos várias vezes antes de ajudar quem se sente mal em plena rua, isto, quando chegamos a tomar alguma atitude de auxilio.
Tornámo-nos umbiguistas e o que ainda nos vai salvando são os amigos que fomos fazendo, aqueles que conseguiram ultrapassar as nossas desconfianças iniciais ou os que conquistámos na infância.
Também nos poderiam chamar a geração dos preocupados. Preocupamo-nos em entrar na faculdade, em arranjar trabalho, num mercado cada vez mais abarrotado e competitivo. Preocupamo-nos com as prestações da casa, do carro e do mais que vier. Tornamo-nos hipocondríacos em idades jovens, ficando sobressaltados mal temos um aperto rápido no peito, no entanto, ironicamente, somos um dos países com maior número de fumadores e consumo de álcool.
Se disserem que somos a geração do desencanto, irei concordar novamente.
Deixámos de acreditar no que nos dizem, andamos sempre desconfiados. Para nós, quem fala a verdade são os tontos, todos os outros inventam histórias para se saírem bem.
Já não cremos na existência do verdadeiro amor, tornámo-nos até, bastante cínicos em relação a esse assunto.
Não temos nenhum 25 de Abril para nos fazer acreditar que vamos mudar este país para melhor. Deixámos de acreditar nos políticos, dizemos que eles são “todos iguais”, não havendo esperança de melhoras.
Pensamos duas vezes antes de ter um filho, porque não sabemos se vamos querer que este cresça no Mundo que estamos a ajudar a construir, esquecendo que ele poderá ajudar a mudá-lo, para melhor, no futuro.
Já não nos deixamos encantar com um simples luar, com o céu estrelado nem com o recitar de poemas.
Deixámos de acreditar no Pai Natal, na Fada dos Dentes e na Branca de Neve, cedo demais.
Também estaria certo quem nos chamasse a geração da raiva desnecessária.
Perdemos mais tempo com quem não gostamos do que com quem merece a nossa atenção. Irritamo-nos com o trânsito, com a fila do supermercado, com a quantidade de gente na praia.
Cultivamos os ódios de estimação como se de uma flor rara se tratasse.
Despendemos tempo a espalhar maledicências, a falar de quem não conhecemos mas que “não sei porquê” não gostamos.
Poderão dizer que somos a geração do consumo desenfreado e estarão novamente certos. Consumimos objectos e corpos, como se fosse tudo a mesma coisa. O importante é o acto de obter e não o de manter.
Quantas pessoas se sentem realmente bem apenas quando dão o cartão de crédito ao vendedor e levam a sua compra para casa?! Depois, quando deixa de ser novidade volta-se a procurar um modelo mais recente, de preferência que os amigos ainda não tenham comprado, mas que andem desejosos para o fazer.
Continuamos a ter vários telemóveis esquecendo-nos de que a sua função é só a de telefonar e que, para isso, nos bastaria apenas um.
Passamos fins de semana fechados em centros comerciais, muitas vezes apenas olhando as montras e sonhando com o que está longe do alcance dos nossos bolsos. Acompanhamos tal tour turístico com frases de inveja do ordenado do Mourinho e “gajos que tais”.
Somos uma geração que tem tudo à mão, sendo que nunca a sente cheia, nem mesmo quando a fecha.
Estamos cada vez mais fúteis. Comparamo-nos com a roupa e carro de fulana mas jamais com o cérebro de cicrana.
Somos a geração do usa e deita fora, compramos alguma coisa hoje e amanhã já achamos que está em desuso. Aplicamos esta prática até nas relações pessoais.
Já não vale a pena esforçarmo-nos, haverá sempre alguém novo a aparecer e podemos começar tudo do princípio.
Poderiam chamar-nos imensa coisa e, provavelmente, estariam certos na maioria dos casos, mas gosto de pensar que somos mais que isto. Somos mais que estereótipos de sociedade, ou pelo menos, deveríamos tentar sê-lo.
Gosto de pensar na vizinhança que ainda existe nos bairros antigos, na solidariedade dos vilarejos e nas pessoas que se apaixonam à primeira vista. Quero conhecer pessoas dessas, porque só elas me podem levar para uma outra geração, para uma geração em que ainda é permitido sonhar e onde não se paga por isso.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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9:30 da tarde  

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