quarta-feira, agosto 09, 2006

Férias I


Estou na Estação de Comboios de Grândola e são 17:45h.
Esta não é uma paragem a caminho de outro lugar qualquer, este é mesmo o meu destino final.
Não acabei de chegar e também não vou partir para lado algum.
A única razão para estar neste local é que é o mais próximo da pensão onde me encontro hospedada e como o meu tédio já ocupava todo o espaço livre do meu quarto vi-me obrigada a fugir para o exterior. São agora 17.50h.
Está um calor tão forte que até custa respirar. Cansa viver aqui, existe tão pouco para fazer que o corpo quase desiste de manter as suas funções vitais.
A minha pensão chama-se Fim do Mundo, apropriado não?! E são agora 17:54h.
Chegou agora um comboio. Gente que sai, uma única família de três. Chegam sorridentes e carregados. Pobres coitados, trazem consigo a alegria do primeiro dia de férias que faz inveja a quem já cá se encontra a alguns dias. Sorriem-me, como se percebessem o que faço eu com um portátil ao colo, no meio de uma estação de comboios, quando não tenho como objectivo partir para qualquer outro lugar que não este banco onde me encontro.
E agora o comboio partiu com Faro como destino. Haverá lá mais que fazer do que aqui?! Estará lá alguém a escrever num banco de estação?!
Quero que as horas passem mas elas teimam em deixar-se arrastar, lentamente, acompanhando o ritmo do local. São 17:56h.
Na verdade os domingos deviam ser abolidos, nesta vila, até porque na prática eles não existem de verdade. As lojas estão todas fechadas (falando assim até parece que elas são muitas), as pessoas recolhem-se em casa e os jardins são ocupados por uns quantos velhotes que decidem fazer a sua sesta debaixo de uma qualquer árvore que os protege do sol.
Soube que inauguraram um cinema cá recentemente. Fui ontem, em pulgas, saber o cartaz que apresentavam, quando me deparo com um aviso na porta de que este se encontra fechado em Agosto. Fechado em Agosto? Mas será só para mim que isso não faz sentido?! Será o medo da terrível enchente de cinéfilos loucos que pretendem invadir a vila neste mês?!
São 18:00h e o único movimento detectado é feito pelas canas verdes, que se encostam umas às outras, tocadas pelo vento fraco que se tenta manifestar.
Passei o ano a queixar-me de não ter tempo livre e agora não sei o que fazer com tanto que tenho entre mãos. Realmente a abundância não é boa em, quase, nenhuma ocasião.
Grito dentro do silêncio dos meus lábios que ainda me restam 3 semanas desta vida, ou seja, 20 dias em que tento descobrir a minha resistência psicológica à loucura.
Olho para o relógio. 18:05h. Reparo nas casas em frente a mim, as do outro lado da linha. Será que as pessoas que ali habitam se apresentam assim “moro em Grândola, do outro lado da linha”?! Será que só mora cá quem nunca daqui saiu? Lembro-me que deitei para trás das costas o sonho de criança de vir para aqui viver quando crescesse. Com o passar dos anos deixei de ficar na casa da aldeia, de ter a minha companheira de subidas a árvores e brincadeiras com animais, já não tenho a padaria para visitar de madrugada e nem sequer conheço metade das pessoas com quem aqui me cruzo. Este local deixou de ser o sitio onde cresci, talvez por isso mesmo tenha deixado de me identificar com ele. Talvez por isso ande desejosa que estes 20 dias terminem rapidamente.
Nunca pensei dizer isto mas tenho saudades de Lisboa.
São agora 18:12h e este post terminou.
(06/08/06)