domingo, junho 18, 2006

A verdadeira essência não se perde, mantém-se guardada na memória de quem por cá fica

Recebi recentemente a notícia de que uma tia minha foi diagnosticada com Alzheimer.
Na verdade, de ano para ano percebia-se que a sua memória ia ficando mais fraca, que repetia várias vezes a mesma coisa e que, no fundo, alguma coisa estava a mudar. Quem desconfiava de algum motivo para essa situação, além do que a própria idade poderia provocar, teve agora a confirmação.
Quem me deu a notícia foi o meu avô e vejo nele um olhar preocupado, percebo a tristeza que sente em saber da irmã assim e apetece-me dizer-lhe que vai tudo correr bem. Penso em como já não tenho idade para ser ele a aconchegar-me no seu colo, consolando-me, agora, a vez de oferecer colo é minha e faço-o em total silêncio.
Como me soa estranho saber que alguém que conheço tão bem já não será mais a mesma de antes, que aquela personalidade se vai esvair, aos poucos, em frente dos nossos olhos.
Os anos passam mas o meu terrível instinto de proteger as pessoas de quem gosto, sejam elas minhas amigas ou familiares, mantém-se tão forte quanto era na infância.
Utopicamente continuo a desejar protegê-las de todo o mal, a pensar que sou forte o suficiente para essa missão e que no fim conseguirei ter sempre sucesso, porque o “ás vezes” torna-se palavra proibida nestas ocasiões.
Sei que não a posso ajudar. Tenho a consciência de que nada posso contra uma doença que nos rouba nós a nós mesmos.
Lembro-me do quão activa ela sempre foi. Reformou-se do seu trabalho no Hospital bastante tarde, na idade limite, depois ainda continuou a arranjar “entretenimento” a fazer comida para um número louco de gente em festas, a ir pintar barraquinhas para a Feira de Grândola, sendo que parada é que não conseguia estar.
Pode ser um pensamento linear, mas achava que o que a minha tia sofreu ao longo da vida, deveria ser pagamento bastante para lhe permitir uma velhice como ela tanto desejava, com sanidade mental.
Para quem teve de ganhar o sustento para as suas filhas, após a precoce morte do marido, quem conquistou a pulso a independência, quem esteve sempre de braços abertos para os familiares que recebia em sua casa, pequena, mas que de tão boa vontade se tornava quase um casarão, a vida está a tomar um caminho que ela sempre recusou, a dependência de terceiros.
À medida que vamos crescendo perdemos uma coisa essencial, perdemos as pessoas que nos acompanharam e foram importantes para nós. Vamos ficando mais velhos e caminhamos pela vida, procurando por um tempo que já foi.
Se houvesse um motivo que me fizesse desejar permanecer no país do Peter Pan, esse motivo seria a ausência deste género de perdas.
São duras, dolorosas, amargas e nunca se aprende a lidar com elas.