domingo, maio 21, 2006

Perfeição ou não perfeição, heis a questão

Hoje tive uma pequena quebra de tensão que me levou a entrar no café mais próximo, de modo a encher-me de cafeína.
Enquanto decidia qual a probabilidade de o chão estar realmente a mexer ou ser apenas a minha cabeça, reparei numa mulher sentada, sozinha, numa mesa ao fundo da sala.
Ela estava a beber chá e tinha qualquer coisa de estrela de cinema dos anos 50. A verdade é que, passado algum tempo, dei por mim a imaginar qual seria o seu trabalho, sobre o que gostaria de conversar, se teria filhos, marido, uma família grande ou pequena,......
Naqueles breves minutos projectei-lhe uma vida perfeita.
Não é curioso como só concebemos a perfeição em pessoas com as quais nunca falámos?!
Por vezes, achamos alguém tão perfeito que nem queremos arriscar estragar a imagem que construímos, fugindo a sete pés de qualquer oportunidade de contacto real.
O que também é verdade, é que basta uma pequena falha para a nossa admiração desaparecer, porque o ideal não tolera defeitos, por mínimos que sejam.
Lembro-me agora, daquelas pessoas que falam das paixões não vividas, como as que poderiam ter sido o amor da sua vida. Para mim, os grandes amores não são os intocáveis, mas sim aqueles reais, os vividos intensamente, aqueles que nos trazem um sorriso aos lábios, quando deles nos lembramos, ou um momento de melancolia, quando pensamos que as coisas poderiam ter sido diferentes.
O que apenas existe na nossa cabeça é, quando muito, a continuação de um filme para além do “foram felizes para sempre”, em que as discussões e problemas seriam inexistentes e no entanto, inexistentes seriam também os momentos em que se fazem as pazes.
Provavelmente, essa ilusão só se desvanece quando se deparam com a pessoa “da sua vida” e ela não é mais a idealista de outros tempos, não conseguiu revolucionar nada, nem fazer a mudança mundial que prevera, os seus sonhos foram esmagados pela realidade e o seu discurso puro e filosófico desapareceu.
Aí está uma vantagem do amor real sobre a perfeição imaginada, é que o primeiro permite gostar de uma pessoa com todos os seus defeitos e no segundo não se ama a pessoa, mas sim o “boneco” que dela criámos.
Pessoalmente não acho graça à perfeição, uso-a apenas como forma de imaginar outras vidas possíveis, e não como objecto a ser atingido ou procurado nos outros.
Apenas a nossa imaginação tolera alguém exactamente como a queremos, além do mais, se os homens fossem como os sonhamos, o que fariam certas mulheres nos seus tempos mortos, em que não estariam ocupadas a tentar modificá-los?!
Na verdade, gosto das imperfeições que nos tornam humanos, das nossas dualidades, do conseguirmos colocar uma sala inteira a rir e, no momento seguinte, conseguirmos tocar alguém com o nosso lado mais emotivo, de conseguirmos ter uma conversa sobre qualquer assunto sério da actualidade e, de seguida, encontrar um amigo e ter com ele uma conversa totalmente desprovida de sentido, gosto que possamos ter os nossos momentos de teimosia e ciúmes mas sermos também capazes dos actos da maior generosidade,...
Talvez a nossa metade da laranja, de que tanto falam, tenha partes mais e menos adocicadas e a sabedoria resida em, mesmo assim, querermos guardar a semente e plantá-la no nosso jardim, em vez de procurarmos híbridos perfeitos, que nascem sempre nos quintais alheios.