domingo, junho 11, 2006

Infância,...

Ontem estiveram umas visitas cá em casa, as quais já mal reconheci, devido aos anos a que não nos víamos.
Como acontece nestas alturas, fala-se do presente e recorda-se, inevitavelmente, o passado.
À observação de que estou “uma mulher”, seguem-se histórias da minha infância, as quais muitas eu desconhecia. Falam da vez em que me ofereceram ovos e eu dormi com eles na cama, para ver se os conseguia “chocar”, e até das minhas tentativas frustradas de reanimar os pássaros que o meu pai matava, na altura da caça.
A minha mãe recorda a vez em que desapareci, na pequena aldeia onde passávamos férias. Conta que calcorreou todas as casas, até que me encontrou, por fim, a manter uma longa conversa com uma senhora octogenária, na sala de estar desta.
Agora que penso nisso, posso dizer que tive uma bela infância. Cresci a conviver com pessoas diferentes e ambientes distintos.
Como “menina da cidade” que era, a liberdade da qual usufruía no Alentejo era maravilhosa, quase uma Disneyworld, onde os divertimentos consistiam em correr até perder o fôlego ou tropeçar numa pedra e cair, subir às árvores e passado alguns minutos cair das mesmas (sim, eu era boa nas quedas, algumas cicatrizes nos joelhos provam isso mesmo). Lembro-me de ficar à porta, de noite, simplesmente a olhar para o céu estrelado, de pisar os meus companheiros de baile, tal a minha falta de jeito, sempre desculpando-me que na cidade não se dançava assim, do barulho dos grilos a meio da noite, das minhas visitas nocturnas à padaria e até das picadelas ao apanhar figos da piteira.
Recordo ainda as minhas rondas diárias aos animais da vizinhança, os quais me permitiram assistir a partos e me faziam acompanhar os crescimento das crias.
Dou-me agora conta de como aquelas pessoas, cuja vida era cheia de trabalho, dispendiam algum tempo para mim. Pacientemente explicavam-me o que estavam a fazer, desde o ordenhar das vacas até ao cozer do folar, e ouviam as minhas histórias de criança.
Sempre me fascinou ouvi-las falar, pareciam tão fortes mas ao mesmo tempo tão sensíveis. Nunca me lembro de por lá ter ouvido vozes gritantes, nem movimentos ríspidos.
E de tudo o aprendi com elas, essa dualidade de personalidade, foi a que demorei mais a compreender.
E aprendi-o de forma casual, quando li um texto, de determinado autor, quando reparei que quanto mais ele expunha o que sentia, mais forte ele me parecia.
Compreendo agora que não posso deixar de mostrar o quanto gosto dos meus amigos e da minha família. Não é por deixar que as pessoas saibam que tenho um lado mais sensível que me vão magoar mais ou menos, a minha resistência à dor é a mesma, mas os meus remorsos de esconder sentimentos são muito menores.
O meu avô costuma dizer que sou uma fera, que não deixa de mostrar os dentes quando “as suas crias” estão em perigo, mesmo que essas crias já tenham crescido. A verdade é que sempre lhes mostrei o quanto os defendia, mas esquecia-me várias vezes de lhes dizer o quanto os amava.
Chego à conclusão de que embora a nossa personalidade vá mudando ao longo dos anos, a nossa verdadeira “essência” se mantém, mesmo que em pequenos gestos, mesmo que a tenhamos tentado disfarçar, mesmo que a tentemos ignorar.
Actualmente a aldeia está quase vazia. A maioria das pessoas que me conheceram em criança morreu, sendo este casal um dos sobreviventes dessa época.
Ao saírem cá de casa, a senhora diz-me que apesar de ter crescido, não sou diferente do que era em criança, que continuo boa pessoa.
Não pude deixar de sorrir, era a primeira vez que me definiam assim.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Fabuloso!

2:43 da manhã  

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