quinta-feira, fevereiro 15, 2007

A polémica do aborto chega ao Afasta com o devido e propositado atraso

A campanha do sim e do não sobre o aborto terminou. Finalmente. Já não era sem tempo. Até que enfim. Estava a ver que não. Uffaaaa.
Começando pelos (poucos) pontos em que a maioria não fanática e histérica concorda, este tema é complicado e propício a provocar discussões. Vejamos, trata-se de um assunto que não é branco nem preto, é todo ele feito de tons cinzentos, de meias verdades e meias mentiras. Devemos também ter consciência de que por mais que discutamos muito dificilmente iremos mudar a opinião de quem discorda de nós ou vice-versa.
A maioria das conversas que presenciei caracterizaram-se pelo mesmo percurso, todas elas começaram num tom calmo que foi subindo lentamente, as palavras educadas deram lugar aos insultos ligeiros que contestavam a sanidade mental de outrém, vi portugueses a discutirem a lei penal ao mesmo tempo que bebiam bejecas e, no final, a única coisa que se construiu foi um ambiente de ressabiamento e desconforto.
Seguindo um raciocínio lógico, acabamos por perceber que os políticos também se tenham exaltado algumas vezes, afinal eles são fiéis representantes do povo. Também eles usaram tontos argumentos e também eles, por vezes, perderam a razão. Para além de terem decidido fugir com o rabo à seringa, pedindo ao povo que decidisse por eles, não foram suficientemente esclarecedores para que esse mesmo povo os ouvisse. Este ano não houve sol, nem praia, mas a abstenção manteve-se alta. O povo decidiu deixar as coisas nas mãos dos políticos e não gritar em votos o que andou a gritar pelas ruas. Quer tivesse ganho o sim ou o não, o que realmente me incomodou foi a falta de participação das pessoas. Raramente podemos dar a nossa opinião, queixamo-nos diariamente que não somos ouvidos, porém, quando a oportunidade surge deixamo-nos ficar em casa, de pantufas e pijama homenageando assim o dia de Domingo.
Durante estes meses andámos como que em guerra, com um ligeiro sentimento de “quem não está connosco está contra nós” acreditando que uma barricada de razão nos separava dos outros. Os de esquerda, liberais´de um lado e os de direita, conservadores de outro. E as excepções escondidas no meio da multidão, de forma a não serem engolidas por esta.
Durante meses quisemos todos ser donos e senhores da razão, quisemos simplificar o que não pode ser visto como simples, quisemos generalizar o que deve ser visto em particular, quisemos ser ouvidos e não ouvir. Todos. Os dois lados da barricada.
A mim, incomoda-me que andemos todos a fingir que os abortos de vão de escada deixariam de existir caso a lei se mantivesse. Indigno-me por ignorarmos as mulheres que têm de abortar em condições sub-humanas, deixando-as ser perseguidas pela lei, para além da culpa da qual, muito provavelmente não se livrarão jamais. Incomoda-me que fechemos os olhos a estas mulheres a quem o cheiro da morte persegue, quando não as apanha mesmo. Quero acreditar que ninguém fará um aborto porque sim, porque a sua barriga não combina com a festa que vai haver para o mês que vem. Quero acreditar que haverá acompanhamento das mulheres que em desespero de causa tenham de abrir mão de um filho.
Mas esta é apenas a minha visão e, felizmente, continuo com as dioptrias certas para perceber que para além da minha existem outras.