domingo, novembro 12, 2006

Há mar e mar, há ir e voltar.

Estando aqui a pensar em viagens, lembro-me que já fiz algumas bastante tristes.
A primeira de que me lembro foi no carro cheio do meu pai, com os meus avós, pais e um primo, a caminho da vila, para o enterro da minha bisavó.
Lembro-me de ter vestido uma roupa em tons de castanho e preto que eu adorava. E tenho uma lembrança estranha desse dia, em que uma das amigas da família, conhecida pela sua incapacidade de cerrar a boca, se vira para mim e pergunta se eu não deveria ir toda de preto porque a minha bisavó morreu. Nada de mais, uma pergunta simples e directa, no entanto, senti-me invadida. Pela primeira e única vez, nesse dia, senti vontade de chorar. Até hoje não percebo muito bem a razão de ter sentido aquela questão de forma tão intensa.
Outro aspecto curioso, é o de recordar mais claramente a viagem que fizemos de volta, do que a que nos levou até lá. Parece que havia um esforço colectivo para impedir o silêncio de se instalar. Sempre que alguém se calava parecia que o ar ficava mais frio e, então, rapidamente um de nós tomava a palavra, por mais tonta que esta fosse.
Ainda presente na minha cabeça, está o passeio que dei no jardim, o exacto momento em que entrei na igreja e, já na aldeia, a proibição da minha mãe em deixar-me entrar no cemitério. Durante o enterro ficámos as duas a olhar para o fundo de um poço velho, em silêncio. Acho que foi o único momento do dia que não preenchemos com palavras.
Houve ainda um almoço de família onde, contrariamente ao esperado, couberam risos numa sala enlutada.
Nunca percebi o facto do meu avô ter conseguido esconder o sofrimento que estava a sentir na altura, com a perda da sua mãe. Hoje em dia, ele revela mais essa faceta de desgostos passados do que na própria altura.
Percebo agora que era muito nova para compreender o que realmente se passava, pois a ideia de que não voltaria a ver a minha bisavó não me passava pela cabeça.
O que não chorei na altura, guardei para chorar nos dias de hoje, sempre que dela me lembro.
Acredito que a idade nos faz lidar de forma diferente com as perdas que vamos sofrendo. Actualmente já não sou uma criança, para ignorar o que se passa, mas ainda não sou suficientemente velha para aceitar essas perdas com tranquilidade.
O que sinto, nos dias de hoje, é medo. Tenho medo de perder as pessoas que conheço desde que nasci e que amo profundamente. Tenho medo de perder as pessoas que entraram na minha vida e as quais acolhi no meu coração, como se sempre lá tivessem estado.
Perdê-las implicará, sempre, perder uma parte de mim.
Agora a questão é, em quem nos tornamos nós quando as viagens, de quem amamos, não permitem um retorno, em sossego, de novo até casa?!