segunda-feira, maio 14, 2007

"Para a vida ser justa, era importante que precisássemos também de nove meses para morrer."in Boato

Dia 13 fiz 24 anos e enterrei a minha avó.
Queria muito ter as palavras certas, para aqui as deixar, e com elas libertar o peso enorme que sinto no peito, mas parece que não as consigo encontrar.
Nunca tinha perdido alguém tão importante na minha vida.
O choque de ouvir “a tua avó morreu” foi das coisas mais brutais que já senti. Desfiz-me em lágrimas e em frases alheadas e repetitivas, de como não me despedi dela, de como não a fui visitar na véspera, de qual a última vez que tínhamos conversado...
Nos últimos tempos a minha avó tinha-se transformado noutra pessoa e eu tinha cada vez menos tempo, e muitas vezes menos paciência, para falar com ela. Acho que acreditava que ela duraria para sempre e que algures no tempo eu conseguiria compensar a minha falta dos dias recentes.
Não consegui.
Pensava que no dia em que alguém me morresse eu iria procurar qualquer tipo de fé, para me encaminhar, qualquer alívio espiritual. Na verdade, nada disso aconteceu. Limitei-me a tentar aguentar a dor e realizar na minha cabeça que a notícia era verdadeira. Tentar compreender que a imagem dela, dentro daquele caixão aberto, era a última que eu teria.
Depois é a preocupação com o meu avô e com o meu pai e o desejo, impossível, de lhes tirar a dor que os invade e que eles tentam disfarçar. Jamais esquecerei a imagem do meu avó, no cemitério, a despedir-se da minha avó. Pela primeira vez na vida vi o meu avô chorar. Corri para o abraçar e só me apeteceu parar o Mundo e tirá-lo dali. Fugir para uma realidade totalmente diferente. Depois, o meu pai também se foi abaixo. Acabámos os 3 abraçados a tentar apoiarmo-nos uns aos outros.
No dia do seu enterro eu fazia anos e não sei explicar o que se sente ao receber os parabéns e logo a seguir as condolências. Amigos que não sabiam o que tinha acontecido encheram-me o telemóvel com mensagens de parabéns e desejos de um dia fantástico. A ironia da vida. Enquanto eu deveria estar a comemorar o meu nascimento uma das pessoas mais importantes para mim estava a ser enterrada.
Nestes dias confirmei os quão importantes são os nossos amigos. Recebi de todos eles um carinho infinito, um apoio incondicional, que me consolou bastante. Depois, tenho também de dizer que o meu namorado foi essencial. Coube-lhe a ele a difícil tarefa de me dar a notícia e de passar por tudo isto comigo, ao meu lado. Após um ano de namoro já tivemos um susto de morte e uma morte. Parece que estamos a viver a vida intensamente juntos, não é, meu amor?! Como já disse, não tenho palavras para ele. É o amor da minha vida e em cada pequeno gesto, em cada palavra, em cada riso seu, existe uma parte de mim que se apaixona ainda mais.
Ontem foi dia de tirar as coisas da minha avó do quarto. Encher sacos com roupas para dar, coisas para o lixo, objectos que tinham sempre alguma coisa dela. Ter de mexer em artigos que ela tinha guardado, jóias que ela gostava, apontamentos escritos naquela letra trabalhada, lãs, óculos, tudo o que lhe pertencia, traz uma dor imensa e a incapacidade de controlar o choro.
Estar numa casa onde um dos seus membros falta é das sensações mais estranhas que se podem ter. Cada coisa nos lembra de quem já não está....
Agora, a preocupação última é apoiar o meu avô. É tentar que ele retome uma rotina sem a mulher com quem passou mais de 50 anos de vida.
Dizem que a dor acaba por passar... eventualmente... um dia.